14/12/2008

Scarface

Scarface, de Brian de Palma, rodado em 1983, é uma releitura de uma versão de 1932. O filme se passa em uma Miami da década citada, e retrata o cenário das gangues negociadoras de cocaína, droga em voga à época. Tony Montana (Al Pacino) é um refugiado de Cuba que entra de cabeça no segmento, desbancando pouco a pouco seus opositores, até chegar ao topo.
Vale uma pequena comparação entre os filmes. O Scarface de 1932 inspira-se em Al Capone, famigerado gângster (descendente de italianos) do início do século passado, que fez dinheiro às custas da Lei Seca dos EUA. Já no Scarface de 1983, temos uma figura refugiada de Cuba, que lida com drogas. Essa característica abre portas para a refilmagem, que pôde explorar de forma muito mais violenta a figura das gangues americanas, ao envolver a cocaína como pano de fundo.
Tony é um personagem "energético". Suas reações exageradas e inesperadas, o excesso de "fucks" no vocabulário e a frieza estampada no rosto associam-se a uma personalidade descontrolada. Enquanto observamos um Al Pacino austero e dominador na interpretação de Vito Corleone (de O Poderoso Chefão), temos Al levando ao extremo a personalidade de um bandido sem escrúpulos, mas sem real domínio sobre as situações.
O filme chama atenção por outros exageros. Ambientado na década de 80, ele exala as características marcantes da época. A começar pela trilha sonora, formada por música disco-dance-eletrônica-new wave. Os cenários também exploram isso: ao contrário do noir marcante em filmes do gênero, vemos cores (e muitas cores!), estilos, roupas, cabelos... tudo que possa lembra alguém dos anos 80.
Também merece destaque a violência do filme. De tiros à queima-roupa ao uso de uma serra elétrica, o filme consegue criar momentos de tensão. O clímax não deixa de ser diferente, com a perspectiva filmada por uma câmera em movimento na cena final mostrando dezenas de corpos, com a célebre frase "The World is Yours" ao fundo.
Um prato cheio para quem gosta de filmes que lidam com a questão das gangues. A interpretação maestral de Al Pacino somada às marcas culturais dos anos 80 fazem desse filme um clássico o qual eu não posso deixar de recomendar.

30/11/2008

Mil Novecentos e Oitenta e Quatro

George Orwell (Pseudônimo de Eric Arthur Blair) escreveu um livro em época e local bastante pertubados. Nos anos posteriores à II Guerra Mundial, a Europa passava por uma crise que se instalou após a conquista da paz no continente. Êxodos de populações inteiras, falta de alimentos e produtos manufaturados, além de doenças se alastrando, eram o cenário perfeito para um receio muito maior: o de que todos os problemas que assolavam a região alimentassem o totalitarismo e a ascensão de líderes maníacos, como aconteceu nas décadas de 30 e 40 (dessa vez, na forma do comunismo).
Foi com esse pano de fundo que Orwell escreveu sua distopia, que se passa no fatídico (de certa forma profético) e longíquo ano de 1984. Winston Smith é funcionário do Partido, que controla tudo e todos, através de ferramentas tecnológicas e ideológicas. Censura, alteração de dado, julgamentos forjados e "sumiços" de possíveis dissidentes são algumas das tarefas dos membros da organização. Winston esconde seu ódio ao regime, mas espera que exista outros que tenham idéias semelhantes e, quiçá, sejam organizados e lutem contra ele.
Teletelas controlam os membros da organização, que são observados em todas as tarefas cotidianas. Um mero piscar de olhos é monitorado, o qualquer atitude que indique inquietação contra o sistema pode ser detectada. O Grande Irmão está sempre atento. Figura que, real ou fictícia, agrega em um rosto as característas necessárias para o regime: onisciência e onipresença.
O mundo está em guerra permanente: é dividido entre três grandes potências (Oceania, Eurásia e Lestásia, que se alternam nas alianças sem hesitação) e as áreas sucessivamente reconquistadas. O duplo objetivo é o escoamento da produção de manufaturados e a afirmação do sentimento de patriotismo e o ódio contra os estrangeiros. Produtos não militares, assim como alimentação, são escassos para o povo normal.
Um novo idioma, a "Novilíngua", está em fase avançado de desenvolvimento. Entre seus objetivos, está a eliminação da ambigüidade, da redundância, de modo que as conversas sejam objetivas. Procura-se eliminar qualquer possibilidade de "crimidéia", qualquer sugestão de pensamento contra o partido. A visão religiosa da castidade é levada ao extremo. Sexo com prazer é proibido, e somente a reprodução é permitida. A visão de família deve ser eliminada, de modo que pais são denunciados até pelos filhos.
Vale notar que o controle acontece intensamente sobre os membros do Partido, mas em muito menor grau sobre a prole. Estes são mais controlados com as ferramentas ideológicas. Winston acredita: se há esperança, ela está na prole. Está, porém, consiste em massa manipulada, alheia às injustiças cometidas. Vivem suas rotinas e não representam qualquer perigo ao regime.
É interessante notar a incidência de algumas dessas características em regimes durante a história da segunda metade do século XX até hoje. Stalin, Tito, Fidel, Chávez personificam a caricatura do Grande Irmão. As democracias capitalistas também não fogem das idéias de Orwell. Em sua concepção, sempre haverá classes sociais (alta, média e baixa). Sempre haverá a pirâmide, dentro da qual só mudam as quantidades dentro de cada camada. Sempre haverá também luta de classes. A média dominará a classe alta, que tempos depois se reorganizará e retornará à alta. O poder é um fim por si próprio, não um meio de se garantir direitos e igualdade.
Eu de certa forma me impressionei quando comentei com amigos sobre o livro e descobri que poucos o conheciam: fica então recomendada a leitura. 1984 traz conceitos importantes para que se sedimente o consenso de que a busca pelo poder é constante e traz perigos reais. Quem está fora dele deve fiscalizar, demandar direitos e participar, não permitindo que a alienação se espalhe e que líderes que busquem o poder pelo poder surjam.

15/11/2008

Loser



Fundição Progresso. Se não o, um dos últimos shows da banda. Fica aqi uma análise à memória dos irmãos. Não tenho a pretensão de escrever uma resenha sobre cada uma das músicas, mas vou expressar o que penso sobre aquelas que mais me tocam.

Primeiro andar. Uma música que pode ser taxada de lenta. A guitarra e o vocal arrastados, com um semi-solo no meio deixam a impressão que os hermanos querem fazer a gente dormir. "Vou lá. andar... e o que eu vou ver... sei lá!" reflete a visão do cantor de que conhecer coisas novas pode ser difícil... (duh).

Pierrot. Música do primeiro CD, brinca com alegorias do carnaval. Quem diria que o Camelo estaria fazendo as músicas que fez no seu CD solo, depois de se aventurar pelo ska-marchinha como fez com essa música. Pierrot é um música muito clichê, pesada, e talvez por isso seja tão pedida nos shows. A letra é interessante, falando do amor não correspondido, da bebida, do desespero. "Um Pierrot apaixonado chora pelo amor da Columbina" (diego)

A Flor. "Ouvi dizer, do teu olhar ao ver a flor". Música do segundo CD, mostra um lado um pouco mais maduro dos irmãos. É a única música que tem Camelo e Amarante dividindo os vocais. Música rápida, pesada pros padrões dos irmãos. Ganhou até clipe de fãs! Obviamente, tem seus metais no meio, marca tradicional dos irmãos até o terceiro CD (zeh).

Adeus Você. Uma música difícil de digerir. No primeiro momento parece falar de amor, namorada, mulher. Mas diz-se que versa sobre o conflito de uma mãe com o filho. "Adeus você, eu hoje vou pro lado de lá" mostra a soltura de alguém que quer enfrentar o mundo fora do colo de sua protetora. (madruga).

Último Romace. Música mais romântica, impossível. Apesar de falar sobre um casal de velhinhos, se encaixa no romance de qualquer um. Talvez por isso faça tanto sucesso entre os fãs, afinal, "Eu encontrei, quando não quis, mais procurar, o meu amor" é um verso bastante bonito. (elena).

Paquetá. "Ahhhh, se eu aguento ouvir outro não, quem sabe um talvez, ou um sim, eu mereça enfim"... Paquetá fica para aqueles que sofreram de amor platônico. Música muito romântica, fala do amor de alguém que "deixa cair o amuleto, mas pega no ar". Alguém aí já passou por isso? (luh)

A Outra. Pra fechar a diversidade da banda, fica uma música à la chico buarque, com uma visão da mulher. "Paz, eu quero paz, quero dançar com outro par, pra variar amor." Música linda, que procura quebrar aquele preconceito da visão do homem (que que comer as menininhas), pois fala da visão da meninha sobre os homens. (malucao)

11/11/2008

Meu Itinerário no Planeta


Começou com os irmãos. Brothers of Brazil abriu meu Festival Planeta Terra 2008. O sonzinho bossa nova de João Suplicy regado a vários "fuck motherfuckers" do Supla. Muito bom ouvir pela primeira vez "Green Hair", seguido de "Garota de Ipanema". Engraçadíssimo ver alguém mais de idade na platéia, e só depois perceber que eu acabara de estar ao lado de uma figura política importantíssima do Estado (vulgo pai Suplicy).
Continuou com Vanguart. Banda muito promissora. Essa pelo menos é a opinião de quem sofre de carência de bandas nacionais boas. Os cuiabanos mandaram muito bem, apesar do horário inócuo (se apresentaram às 17 00 da tarde) e de algumas músicas muito lentas. Destaque para "Cachaça" e "Yo Silver". Detalhe: o vocalista namorava minha atual musa. Ponto negativo pra banda, hahaha.
Musa que foi a próxima a se apresentar. Começou fraco, com a platéia botando pouca fé. O jeito de boba (e quem não era aos 16) pareceu atrapalhar, mas logo ganhou a platéia, que passou a aprovar (ou desaprovar menos) a garota. Destaque para o backing vocal da banda, que SÓ fazia backing vocal, e grande parte do tempo ficava estalando os dedos para acompanhar a música. Tosco. Engraçado também a associação que Mallu fazia: a cada música, trocava de roupa... ou a cada roupa trocava de música? Faço uma ressalva para a organização do evento. Limpo, sem filas e com shows pontuais. A organização fez bonito.
Próxima banda: Jesus and The Mary Chain. A primeira banda que realmente tocou rock. A banda é bastante influente. Mas não me agradou, som meio monotom. Também, tocaram com a Scarlet Johanson. Bota influência nisso! Ah sim, o festival já estava bem lotado então.
Saí para ver Fouls. O cara cantava de lado. Banda muito energética, o que pode parecer meio mala! Pena que lançam mão de tantos efeitos que perdem a "crueza" tão necessária do rock. Em todo o caso, mandaram bem e despertaram minha curiosidade a ponto de carregar o CD deles na internet. Em todo o caso, comecei a jogar truco.
Eis que minha musa passou do meu lado. Veio a foto, conversei com ela, e ela se mostrou muito gente boa. A garota tem futuro! Começa a tocar Offspring. Questão de honra não ver? Não sei, mas eu não fui prestigiar os coitados (nada contra a banda, só não faz meu tipo).
Fui para o DJ Stage. Em um festival de rock que se preze, é óbvio que o local da música eletrônica não atrai muita gente. O som estava bom, em todo o caso. Começa Bloc Party. Ouvi duas ou três músicas e fui embora. Não porque a banda mandou mal. Na verdade, mandaram bem, levando em conta a perfomance desprezível no VMB. Só que eu já estava com birra da banda. Por consequência, infelizmente, perdi Kaiser Chiefs.
Nota dez pro evento. Superou minhas expectativas. O local, cheio de galpões abandonados me lembrou das baladas alemãs. Espero que mais festivais venham aí, e também espero que eu possa começar a beber mais tarde para ficar até o final. Quem gosta de música alternativa e não foi, não percam o próximo!

20/10/2008

Lolita

Mais um grande clássico de Stanley Kubrick (adaptado do romance homônimo de Vladimir Nabokov), Lolita, filmado no início da década de 60 em preto e branco, mostra as facetas mais obscuras de um sentimento capaz de distorcer qualquer mente, da intelectual à menos estudada: o amor.
O filme basicamente ilustra a história de um professor inglês (Humbert) que se muda para os EUA e passa o verão em uma casa/pousada de uma viúva, que vive com sua filha. Um estranho triângulo amoroso se desenvolve, rebaixando, cada vez mais com o decorrer do filme, o acadêmico e intelectual a um cego apaixonado pela ninfeta.
A obra possui seus momentos marcantes: a cena inicial do frio assassinato, o instante em que Lolita posa de biquiní no jardim ou quando escreve uma carta pedindo socorro ao ex-amante. Também possui suas duas ou três reviravoltas, de modo que o enredo (e não só a ninfeta) mostra-se capaz de atrair a atenção do telespectador.
O que mais chama a atenção, no entanto, é a exploração psicológica que se faz em torno desse que certamente é o mais discutido dos sentimentos. Seria generoso creditar o título de "perdidamente apaixonado" ao protagonista. Mas mais do que explorar o amor, o filme explora seus sentimentos adjacentes. Não se pode deixar de notar que essa paixão decorre de toda uma conotação sexual exalada por Lolita. O protagonista, não poderia deixar de ser diferente, é fisgado por ela sem oferecer resistência, e se deixa levar em suas fantasias até conseguir consumar o fato.
A partir desse momento, a ênfase passa para outro ponto: o sentimento de ciúme e possessividade que passa a tomar conta de Humbert. Pouco a pouco a coisa se torna doentia, até que no desenrolar da história ele perde o controle da situação e é abandonado por Lolita, que foge com outro de seus affairs. Fica o seguinte exercício de imaginação: o abandono foi culpa de Humbert, que tratou Lolita de maneira repreensiva, ou ela, dotada de tantos poderes perante os homens, preferiu mudar de foco para variar um pouco?
Comédia (sim, ainda existe espaço para risadas nesse filme!), romance e drama, Lolita certamente surpreende. Apesar de parecer apelativo, por tratar de um assunto que certamente é fetiche e tabú, o filme consegue tocar em algumas feridas ao se aprofundar revelando até que ponto podemos ir para tentar corresponder a um sentimento tão intenso. Desculpem-me se a citação parecer inapropriada, mas depois de uma semana que terminou com um trágico crime passional, o filme me tocou de uma maneira peculiar. Fica recomendando a quem ainda se impressiona com o que o amor e o desequilíbrio podem fazer com uma pessoa.